domingo, 5 de outubro de 2008

Tu disseste "quero saborear o infinito"
Eu disse "a frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis"
Tu disseste "sentir a aragem que balança os dependurados"
Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar"
Tu disseste "eu também já tive medo. muito medo.
recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da porta
"Eu disse "acabamos a gostar do medo,
do arrepio que nos suspende a fala"
Tu disseste "um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro por descobrir
"Eu disse "..."
Eu disse "o que é que isso interessa?

"Tu disseste "...nada"
Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida.

às vezes penso encontrá-lo num bater de asas,
num murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon.
escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo.
depois queimo tudo e prossigo a minha busca
"Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar
para uma mancha na parede
"Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar,
as suas formas num palpitar quase imperceptível?
"Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio,
eu continuo a olhar para ela e não se passa nada
"Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e
toma conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês
"Eu disse "o que é que isso interessa?
"Tu disseste "...nada"


Tu disseste
Mão Morta

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