terça-feira, 16 de junho de 2009

perdoa-me. dizem que a vida inteira pode caber numa única palavra, mas duvido. fizeste-me beber mais do que eu devia e agradeço-te.…amo-te. “leva-me a casa. estou com os copos”. eu levava-te à minha e tu acordavas e dizias “isto não é a minha casa”. “o que é que tu queres afinal?”. “quero a minha mãe”. e querias mesmo. lá ía eu outra vez. a cidade linda. as estradas acabadinhas de regar. o teu cabelo caído. fodíamos no elevador. para baixo e para cima, até o primeiro vomitar ou se vir. o teu coração contra o meu, batendo de doido e de contente. conhecia todas as tuas luzes. viesses de onde viesses, a que horas fosse. já dormi em cada um dos teus quartos. e chorei em todos, sempre sem saber porquê – de prazer, provavelmente. ou eras tu? não interessa. quer dizer, só eu é que acho interessante saber. a vida. eis o que eu dava para nunca te ter visto ou para te ver só mais uma vez. com o teu hálito de gin e a tua voz de menina, deitada como uma doente, sabes lá o quanto me apaixonavas com essas merdas – alguém que no meu rosto era mais do que eu.”larga-me”. e eu: “desculpa?”. “agarra-me! agarra-me!” e eu largava-te. e tu suspiravas de alívio. até te dar a solidão. no dia seguinte discutíamos. separávamo-nos contentes. cada um à sua vida. é o mais indicado neste caso de amor e alcoolismo. e eu bebia whisky toda a noite, whisky toda a noite e lia livros gordos, muito gordos, embebedando-me nas letras até não perceber nem a frase mais simples – como era bom. às vezes continuavam incompreensíveis de manhã e eu ficava triste porque não tinha bebido suficientemente. é o que dá ler romances complicados e estar apaixonado por ti ao mesmo tempo. escrevia-te mentiras que eram quase verdade. que queria fugir de ti para dentro de ti, invadir-te com fúria de te ver ininterruptamente, de não conseguir impedir-me de ficar ali parado a olhar para ti. tu fazias pior. ficavas calada e deixavas-te invadir. atiravas os pulsos para as almofadas antes de eu poder fingir que tos ia prender. mas era bom. era melhor assim. o amor é fodido. “o teu mal”, dizias com frequência, “é só quereres quem não te quer e amares só quem for capaz de amar-te até à morte sem nunca te ter…”. amanhã, se voltar ao meu sonho, quero ir contigo e deixar-me aqui a mim.

o amor é fodido_miguel esteves cardoso

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