conforto que são os dias molhados quando acomodados no sofá, e o rádio tão baixo que não o ouço, e o livro tão planeado, tão fechado que não o leio. ontem jantámos, e por sexta-feira o jantar demorou-se pela garrafa de vinho e pelo corredor e pelos casacos pendurados no cabide do corredor e pelos desenhos sem jeito que ficaram entre nódoas na toalha. tu, com aquela paz feita no papel dos cigarros, fizeste do silêncio um arco de fumo que encheu a mesa e as palavras e no ar o quase sabor da toalha na pele. não percebo o que me dizes, quando num gesto claro namoras nos dedos o cigarro e com um jeito aprendido o chegas à boca, e o fumo parece palavras quanto as aquece, parece ingénuo, e eu, encostado às costas de uma cadeira branca pareço presente. sou capaz de andar um dia inteiro perdida nas ruas e quando olho as montras somos nós que estamos nas montras e quando peço um café deixo as mãos pestanejarem e assim como um livro que guardo, reparo no que reparas a meio do café. sou capaz de falar contigo e de saber dizer o que quero dizer quando falo contigo e guardo caricas e soldadinhos de plástico nos bolsos e o bocadinho de chocolate onde diz Regina, que comi com a pressa dos dedos no desabotoar da prata. é o meu autocarro que cumprimenta a paragem com uma vénia de porta automática, e um até amanhã que fica nos trocos e em cima do balcão uma corrida que é um mar de cerveja onde apago o holofote do cigarro num gesto de que guardo memória. como uma bicicleta deixada no descanso que é a areia da praia quando me enche os sapatos e os acompanha na rua que me leva a casa e no ralo que engole a areia e esta forma de consciência na textura do papel.
duas pegadas de água na-chuva
joão do nascimento
foto:emilie bjork
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